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Brasil – pais do futuro?

Desenhos por Tarsila do Amaral

Como vimos no décimo segundo capítulo de Tristes Trópicos, em vez de encontrar tribos de indígenas para poder „praticar a etnografia do domingo“, Claude Lévi-Strauss se viu diante uma grande população de imigrantes provindo do Velho Mundo, que seguiram a propaganda para a migração dos seus próprios governos, já que a Europa, após a industrialização no século XIX lutava com o crescimento da população. De fato, uma vez ter deposto o imperador, o novo governo republicano do Brasil incentivava essa imigração com uma própria agenda. Propagava-se a imagem dum pais modernista que em nada ficaria atrás dos modelos europeu e norte-americano. À vista dessa propaganda tão sugestiva, pois, não é de se surpreender que muitos seguiram a chamada das sereias e partiram rumo ao novo mundo.

Dessa maneira se deixou encantar também Blaise Cendrars que chegou no Brasil uma década antes de Lévi-Strauss. A chamda das sereias nessa caso foi o convite que o poeta francófono recebeu de Paulo Prado. Ele sublimou a imagem dessa terra de sonhos e a transpôs em sua obra Brésil – Des hommes sont venus. O texto que constitui a parte central dessa obra apresenta-se como uma verdadeira ode ao Brasil.
O texto é introduzido pelo poema Poème à la gloire de São Paulo em que é louvado a moderindade da cidade. Seus efeitos são reportados a partir do amanhecer, através da janela. Por outro lado, a obra é finalizada por outro poema intitulado Promenade Matinale que registra a sequência de imagens observados de uma janela num trem em movimento e serve para elogiara a receptividade brasileira pelos imigrantes, neste caso italianos e japoneses.

Ao contrário disso, em Tristes Trópicos as mesmas observações, isto é, a imigração europeia e o fervor para renovar as cidades brasileiras são descritas de uma forma muito menos encomiástica como é evidenciado pela seguinte citação, retirada do décimo primeiro capítulo São Paulo:

Não são cidades novas contrastando com cidades antigas; mas cidades com ciclo de evolução muito curto, comparadas a cidades de ciclo lento. Algumas cidades da Europa adormecem devagarzinho na morte; as do Novo Mundo vivem febrilmente numa doença crónica; perpetuamente jovens, nunca chegam a ser, entretanto, sãs.

Um detalhe, porém, que me chamou muito a atenção e que eu gostaria destacar, é que os dois autores francófonos, a pesar de seus diferentes pontos de vista, parecem utilizarem-se de recursos literários parecidos. De fato, Cendrars publica em 1924 Feuilles de route, uma coleção de poemas que falam sobre sua viagem ao Brasil. Leitores atentos, portanto, repararão que a segunda parte de Tristes Trópicos leva o mesmo título. Além disso, o capítulo Por de sol, que encerra esta parte do livro também tem um predecessor: um dos poemas em Feuilles de route destaca-se pela mesma temática:

Couchers de Soleil

Toute le monde parle des couchers de soleil
Tous les voyageurs sont d’accord pour parler des couchers de soleil
dans ces parages
Il y a plein de bouquins où l’on ne décrire que les couchers de soleil
Les couchers de soleil tropiques
Oui c’est vrai c’est splendide
Mais je préfère de beaucoup les levers de soleil
L’aube
Je n’en rate pas une
Je suis toujours sur le pont
À poil
Et je suis toujours seul à les admirer
Mais je ne vai pas les décrire les aubes
Je vais les garder pour moi seul

Será que o fato que um poeta presta mais atenção ao nascer do sol (evidenciado também pelos dois poemas mencionados acima) e outro ao poente, pode ser indicativo dos carácteres respetivos?

Uma boca de banguela

No capítulo que precede o relato de sua estadia no Rio de Janeiro, A calmaria, Claude Lévi-Strauss antecipa sua opinião sobre a cidade maravilhosa da seguinte forma:

Depois disso, sinto-me ainda mais embaraçado para falar do Rio de Janeiro, que me desagrada, apesar de sua beleza celebrada tantas vezes. Como direi? Parece-me que a paisagem do Rio não está à altura de suas próprias dimensões. O Pão de Açúcar, o Corcovado, todos esses pontos tão enaltecidos lembram ao viajante que penetra na baía cacos perdidos nos quatro cantos de uma boca desdentada. Quase constantemente submersos no nevoeiro sujo dos trópicos, esses acidentes geográficos não chegam a preencher um horizonte vasto demais para se contentar com isso. Se quisermos abarcar o espetáculo, teremos que atacar a baía pela retaguarda e contemplá-la das alturas. Perto do mar e por uma ilusão contrária à de Nova York, aqui é a natureza que se reveste de um aspecto de canteiro de obras.

Em 1989 Caetano Veloso retoma essa descrição do antropólogo francês para fazer-lhe uma homenagem numa belíssima música: O Estrangeiro. Numa entrevista com a Globo ele afirma que „para mim foi muito grande. Ler „Tristes Trópicos“ me levou a pensar muitas coisas sobre nosso país de um modo que não seria possível antes„.