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A aurora é apenas o início do dia…

… o crepúsculo é sua repetição.

Com essa frase o célebre etnólogo francês fecha o primeiro parágrafo duma reflexão sobre o pôr de sol que se encontra no sétimo capítulo de sua obra Tristes Trópicos. Portanto, esta reflexão se destaca do resto do livro por ter sido escrita em 1935 durante sua primeira passagem náutica para o Brasil.

De fato, estas páginas iam formar o início dum romance que Lévi-Strauss concebeu ao voltar do Brasil à França em 1939, como ele revela numa das últimas entrevistas que ele concedeu a Boris Wisman em 28 de novembro 2003 e que foi publicada um ano depois na revista Les Tempes Modernes. Ela afirma que „eu havia começado e depois abandonei o romance. Tristes Trópicos veio 15 anos depois“. Um dos títulos desse romance ia ser precisamente Tristes Trópicos e ao incluir estas linhas na sua obra do mesmo título, ele devolveu „essa descrição a sua verdadeira origem“.

Este detalhe, porém, por mais insignificante que pareça, faz parecer a decisão da Académie Gancourt de não premiar Tristes Trópicos por não ser uma obra de ficção ainda mais precária, já que a intenção original do Lévi-Straus foi exatamente essa: escrever um romance.

Gostaríamos acrescentar uma observação com respeito a este trecho do texto. Com esse fim parece nos útil citarmos primeiro a frase em questão:

Para os cientistas, a aurora e o crepúsculo são um só fenómeno e os gregos pensavam o mesmo, já que os designavam com uma palavra diversamente qualificada caso se tratasse da tarde ou da manhã.

Aqui Lévi-Strauss recorre ao grego clássico para por em relevo uma ideia sua, alegando que os gregos teriam tido uma só expressão para os dois fenómenos celestiais. Mas de fato tem no mínimo tres palavras associadas.
A mais comum e certamente a mais conhecida está ligada à deusa do amanhecer Eos. Portanto está aparentado à Aurora latina. Os dois nomes provêm de uma raiz indo-europeia *h2wes- que indicava precisamente este fenómeno matutino. E, por extensão semântica, esta raiz chegou a se conservar nas expressões germânicas Osten e Ostern (leste e páscoa respetivamente).
Ora, a outra palavra grega que indica o momento da alvorada é ἡ ὄρθρος ‚i órthros‘ que continua uma raiz indo-europeia *h3erdh‚erguer-se‘. Encontramos este lexema tanto no latim oriens (leste) quanto em arbor (arvore) e sobretudo na palavra ortográfia (a escrita correta).
Já a ultima expressão a ser mencionada é τὸ κνέφας ‚ to knéfas‘, que designa o crepúsculo. Esta palavra não parece ser de origem indo-europeia, já que não se econtravam palavras cognatas em outras línguas.

Contudo, gostaríamos de ressaltar que esta pequena reflexão não tenta invalidar o enunciado de Lévi-Strauss. Entretanto, não se pôde deduzir a quê expressão ele se refer nesta sua descrição do pôr de sol.

Sejam bem-vindos!

Fotografado por Claude Lévi-Strauss.

Esse blog vai acompanhar o seminário Tristes Trópicos: Claude Lévi-Strauss e a interpretação literária de Prof. Dr. Eduardo Jorge de Oliveira. Ao longo do semestre serão apresentadas pequenas reflexões em relação aos fragmentos que vão ser discutidos no seminário. Não obstante, isso não deixa de ser uma maneira de incentivar a produção de textos em português pelos próprios participantes com a finalidade de inspirar novas trajetórias de pesquisa.

Desejamo-lhes uma boa leitura!