Category Archives: Postagens

Triste paladar?

A partir de Caderno de Viagem, a segunda parte de Tristes Trópicos, torna-se evidente que para Lévi-Strauss a viagem pelo Brasil à procura de comunidades indígenas, também irá ser um roteiro gastronômico, cuja experiência se dará através do olfato e do gosto, como mostra a seguinte citação:

O Brasil se esboçava em minha imaginação como braçadas de palmeiras esbeltas, dissimulando arquiteturas estranhas, tudo mergulhado num odor de caçoila, pormenor olfativo introudzido subrepticiamente, segundo parece, pela homofonia inconscientemente estabelecida entre „Brésil“ „grésiller“, e que, mais do que toda experiência adquirida, explica que ainda hoje eu penso no Brasil antes de mais nada como num perfume queimado.

Lévi-Strauss (1957), p. 43/44

A seguir, apresentar-se-á alguns dos mais chamativos trechos que tratam dessas aventuras palatinas.

A missão de Lévi-Strauss em Mato Grosso (1935). © musée du quai Branly, fonds Claude Lévi-Strauss

Devem-se também mencionar os koro, larvas pálidas que pululam em certos troncos de árvores apodrecidas. […] Assim, não é coisa facil assistir à extração dos koro. Meditamos longamente nosso projeto, como conspiradores. Um índio febril, único numa aldeia abandonada, parece uma presa fácil. Pomos-lhe o machado na mão, sacudimo-lo, empurramo-lo. Trabalho perdido, ele parece tudo ignorar do que queremos dele. Será uma nova derrota? Tanto pior! Lançamos nosso último argumento: queremos comer koro. Conseguimos arrastar a vítima diante de um tronco. Uma machadada abre milhares de canais vazios no mais profundo da madeira. Em cada um deles, uma grande larva de cor creme, bastante parecido com um bicho de seda. Agora, devemos cumprira palavra. Sob o olhar impassível do índio, decapito a minha caça; do corpo, escorre uma gordura esbranquiçada, que experimento não sem hesitação: tem a conistência e a finura da manteiga e o sabor do leite de coco.

Lévi-Strauss (1957), p. 166.

O lugar estava infelizmente infestado pelos insetos habituais: maribondos, mosquitos piums e borrachudos; havia também os pais de mel, isto é, as abelhas. […] Mas, quem diz abelha diz mel, a cuja colheita é lícito entregar-se sem perigo, abrindo os cortiços das espécies terrestres ou descobrindo numa árvore oca os favos de células esféricas, grandes como ovos. Todas as espécies produzem mel de sabor diferente – recenseei treze – mas sempre tão fortes que, a exemplo dos Nhambiquara, logo começamos a dissolvé-lo na água. Esses perfumes profundos se analisam em diversos tempos, à maneira dos vinhos da Borgonha, e sua singularidade desconcerta. Encontrei equivalente num condimento da Ásia do sudeste, extraído das glândulas da barata, e custando o seo peso em ouro. Um nada é suficiente para perfumar um prato. Muito vizinho é também o odor exalado por um coleóptero francês de cor escura, chamado „procruste chagriné“.

Lévi-Strauss (1957), p. 285.

Já não chove há cinco meses e a caça desapareceu. Ainda nos damos por felizes quando conseguimos atirar num papagaio esquelético ou capturar um grande lagarto tupinambi para cozinhá-lo no arroz, ou assar na sua carapaça um cágado ou um tatu de carne gordurosa e preta. O mais das vezes, devemos contentar-nos com o xarque: essa mesma carne seca preparada há meses por um açougueiro de Cuiabá e de que desenrolamos todas as manhãs ao sol, a fim de limpá-los de grossos pedaços fervilhantes de bichos, para encontrá-los no mesmo estado no dia seguinte.

Lévi-Strauss (1957), p. 342.

Fomos tomados de frenesi alimentar: durante três dias só se couzinhou e comeu. Daqui para a frente não nos faltaria mais nada. As reservas, preciosamente poupadas, de açúcar e de álcool desapareceram, ao mesmo tempo em que experimentávamos alimentos amazônicos: sobretudo os tocari, cuja polpa ralada enrgossa os molhos, formando um creme branco e untuoso. Eis o pormenor desses exercícios gastronômicos, como o encontro ns minhas notas:

– colibris assados no espeto e queimados em „whisky“;
– rabo de jacaré grelhado;
– papagaio assado e sapecado no „whisky“;
– guisado de jacu em compota de assaí;
– ensopado de mutum e de brotos de palmeira, com molho de tocari e pimenta;
– jacu assado com açúcar queimado.

Lévi-Strauss (1957), p. 343.

Video 8 – Mareile Flitsch

Between Ethnographic Melancholia and Gastrosophic Finesse: Rereading «Tristes Tropiques» as Social Anthropologist in 21st Century

Neste fragmento do nosso encontro Tristes Tropique: Leituras de Lévi-Strauss Mareile Flitsch, professora de etnologia na Universidade de Zurique e diretora do Museu Etnográfico, também em Zurique, da-nos uma pequena visão de suas leituras do texto desde o ponto de vista de uma etnóloga do século XXI. A seguir, compartimos uma citação retirada de Tristes Trópicos que a Mareile irá ler em inglês.

„Não há perspectiva mais exaltante para o etnógrafo que a de ser o primeiro branco a penetrar numa comunidade indígena. Já em 1938 essa recompensa suprema não se podia obter senão em algumas regiões do mundo, tão raras que se podiam contar nos dedos da mão. Desde então, essas possibilidades limitaram-se ainda mais. Eu revivia, pois, a experiência dos antigos viajantes, e, através dela, esse momento crucial do pensamento moderno em que, graças às grandes descobertas, uma humanidade que se julgava completa e acabada recebia de repente, como uma contra-revelação, a notícia de que não estava só, era uma peça de um conjunto mais vasto, e que, para se conhecer, devia primeiro contemplar a sua imagem irreconhecível nesse espelho de que uma parcela esquecida pelos séculos ia, para mim sozinho, lançar seu primeiro e último reflexo.“

Lévi-Strauss (1957), p.346.

Video 4 – Pedro Cesarino

Narrativa e queda em abismo: Lévi-Strauss entre a etnologia e a literatura I

Nascido em São Paulo em 1977, Pedro Cesarino é mestre e doutor em antropologia do Museu Nacional no Rio de Janeiro. Atualmente é pesquisador e professor de antropologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) na Universidade de São Paulo. Sua tese de doutorado Oniska: Poética do xamanismo na Amazônia, ganhou o Prêmio Jabuti de Ciências Humanas. Em 2013, publicou Quando a Terra deixou de falar: cantos da mitologia marubo, uma coletânea de mitos traduzidos para o português.

Neste curto trecho da interessantíssima conferência que ele deu no nosso encontro Tristes Trópicos: Leituras de Lévi-Strauss o Pedro faz algumas reflexões acerca de suas duas obras acima mencionadas.

Video 3 – Lívia Melzi

Ainda sobre o manto tupinambá

Fotografado por Lívia Melzi

No fragmento a seguir, retirado de uma conferência dada durante o encontro Tristes Tropiques: Leituras de Lévi-Strauss, Lívia Melzi, doutoranda da Universidade de Zurique, nos conta un pouco sobre o seu aproximar-se tateante aos mantos tupinambá. Oceanógrafa de formação e mestra em fotografia e arte contemporânea, a obra da Lívia busca elucidar, através da fotografia, mecanismos de dominação com respeito a obras de arte, com um olhar focalizado à praticas de representação durante a época colonial do Brasil (veja também o site oficial da fotógrafa).

A luta dos Yanomami

Ao longo de cinco décadas, a fotógrafa Claudia Andujar (nacida em 1931) dedicou sua vida e obra às comunidades indígenas Yanomami da região amazônica do Norte do Brasil. No final da década dos anos 70, quando a comunidade se viu submetida a severas ameaças externas, a fotógrafa de origem suíça e agora radicada em São Paulo, começou a lutar pelos direitos dos Yanomami. Em seguida, Claudia se integrou à comunidade, aprofundando assim suas relações com eles.

Sua batalha de quatorze anos ao lado do líder Yanomami Davi Kopenawa levou à demarcação oficial das terras da comunidade em 1992. Hoje, os esforços ativistas de Andujar são tão relevantes como sempre – como é sublinhado por eventos atuais, como o desmatamento contínuo e destruição ambiental causada pela mineração e pecuária, violações dos direitos humanos na região ou a diffusão da malária e COVID-19.

À obra de Andujar o Fotomuseum Winterthur faz homenagem com a exposição Claudia Andujar: A Luta Yanomami, que é baseada em dois anos de pesquisa no arquivo de Andujar reunindo fotografias, instalações audiovisuais, e desenhos Yanomami. Estes últimos são fac-símiles de desenhos produzidos pela comunidade yanomami graças à iniciativa de Andujar. De fato, chegou um momento em que a fotógrafa percebeu que sua fotografia não pudesse captar toda a cosmovisão da comunidade indígena. Por esse motivo, ela começou distribuir papel e lápis entre eles. Assim, por primeira vez os yanomami começaram se exprimir de forma gráfica. Portanto, esta exposição é a primeira grande retrospectiva dedicada à obra da ativista brasileira, sobrevivente do Holocausto, que dedicou sua vida a fotografar e defender os Yanomami.

Não temos direitos enquanto às fotografias aqui reproduzidas. Todas as imagens foram descargadas do sites oficial da exposição, portanto, todos os direitos com respeito a elas pertencem aos proprietários respetivos.