Quando, às vezes, o peito do céu emite ruídos ameaçadores, mulheres e crianças gemem e choram de medo. Não é sem motivo! Todos tememos ser esmagados pela queda do céu, como nossos ancestrais no primeiro tempo. Lembro-me ainda de uma vez em que isso quase aconteceu conosco. Eu era jovem na época. Estávamos acampados na floresta, perto de um braço do rio Mapulaú. Tínhamos saído, com alguns homens mais velhos, à procura de uma moça do rio Uxi u que tinha sido levada por um visitante de uma casa das terras altas, a montante do rio Toototobl. Anoitecia. Não havia nenhum ruído de trovão, nenhum raio no céu. Tudo estava em silêncio. Não chovia, e não se sentia nenhum sopro de vento. No entanto, de repente, ouvimos vários estalos no peito do céu. Foram se sucedendo, cada vez mais violentos, e pareciam bem próximos. Era mesmo muito assustador!
Aos poucos, todos se puseram a gritar e soluçar de pavor no acampamento: “Aë! O céu está despencando! Vamos todos morrer! Aë”. Eu também tinha medo. Ainda não havia me tornado xamã, e perguntava a mim mesmo, muito inquieto: “O que vai acontecer conosco? Será que o céu vai mesmo cair em cima de nós?: Vamos todos ser arremessados para o mundo subterrâneo?”. Naquela época, ainda havia grandes xamãs entre nós, pois muitos de nossos maiores ainda estavam vivos. Então, vários deles começaram a trabalhar juntos para segurar a abóbada celeste. No tempo antigo, seus pais e avós haviam ensinado esse trabalho a eles, que por isso foram capazes de impedir mais essa queda. Assim, depois de algum tempo tudo se acalmou. Mas estou certo de que, uma vez mais, o céu tinha mesmo ameaçado se quebrar acima de nós. Sei que isso já ocorreu, muito longe da nossa floresta, lá onde a abóbada celeste se aproxima das bordas da terra. Os habitantes dessas regiões distantes foram exterminados, porque não souberam segurar o céu. Mas aqui onde vivemos ele é muito alto e mais sólido. Acho que é porque moramos no centro da vastidão da terra. Um dia, porém, daqui a muito tempo, talvez acabe mesmo despencando em cima de nós. Mas enquanto houver xamãs vivos para segurá-lo, isso não vai acontecer. Ele vai só balançar e estalar muito, mas não vai quebrar. É o meu pensamento. (Albert, B./ Kopenawa, D., 2015: 194)
Albert, Bruce / Kopenawa, Davi (2015): A queda do céu: Palavras de um xamã yanomami, trad. Beatriz Perrone-Moisés, 1ª ed., São
https://soundcloud.com/eduardo-jorge-393472897/andersen-cap-8-o-ceu-e-a-floresta1/s-JXMTQRnhYPV