Conversas em Zurique

um blogue sobre a língua portuguesa e as culturas lusófonas

Entrevista com MAria ana Ramos

Tivemos o prazer de entrevistar a professora titular emérita Maria Ana Ramos, fundadora da Cátedra Carlos de Oliveira e ex-professora de linguística e literatura portuguesa na Universidade de Zurique:

Como descreve a sua experiência como portuguesa na Suíça?

Descrevo-a como experiência extremamente estimulante e positiva. No âmbito profissional, a Universidade de Zurique proporcionou um ótimo ambiente de trabalho, sobretudo no acesso a recursos bibliográficos e logísticos. O desenvolvimento dos Estudos de Português, inaugurados como leitorado em 1946, exigiu um constante investimento, tanto na ampliação da disciplina a múltiplas vertentes – linguísticas, literárias, culturais –, como na definição de um melhor posicionamento dos Estudos de Português (Português europeu, Português no Brasil, Português em África, Português na Ásia, Português da diáspora, etc.) no quadro da Romanística exercida na Universidade de Zurique (Romanisches Seminar). No momento em que assumi funções, os Estudos de Português beneficiavam do empenho e do apoio dos Profs. G. Hilty, G. Güntert, G. Bossong, L. Rossi e M. Lienhard.

No plano da investigação pessoal, o trabalho desenvolvido e publicado foi favorecido pelo acesso às excelentes bibliotecas da cidade de Zurique, em particular, aos fundos bibliográficos do Romanisches Seminar. Não só a minha Habilitação em Filologia Românica, com incidência em Português, apresentada à Universidade de Zurique, valorizou os Estudos de Português nesta Universidade («Venia Legendi für das Gebiet Romanische Philologie mit Berücksichtigung des Portugiesischen»), como a minha comparência internacional em congressos, colóquios, seminários, conferências, etc., dignificou e difundiu a posição que os Estudos de Português ocupam na Universidade de Zurique. Esta maior notoriedade foi solenizada pelo Camões IP com a criação da Cátedra Carlos de Oliveira em 2012, através de um Protocolo de Cooperação entre o Instituto Camões e a Universidade de Zurique. A nova visibilidade destes Estudos, através de eventos semestrais (congressos, colóquios, conferências, seminários) – sempre em colaboração com a Mestre Dra. Marília Mendes –, concedeu sem dúvida, através da Cátedra Carlos de Oliveira, melhor dinâmica aos Estudos de Português na Universidade de Zurique.

Na sua opinião, o que se pode fazer para difundir a língua e a cultura portuguesa na Suíça?

Admito que é absolutamente necessário “combater” em permanência os clichés, ligados ao estatuto do “português”, tanto no plano da língua, como no do locutor (Cf. Marília Mendes – Maria Ana Ramos, Portugal em jogo de espelhos. Portugal segundo a Suíça. Coord. João Relvão Caetano, Lisboa : Theya Editores – CIDH-UAb,  [e-book], 2020)

Através de estratégias, linguísticas e culturais, é imperativo tentar conceder acessos à prática e ao entendimento da interculturalidade (origem e difusão das culturas em língua portuguesa, expansão portuguesa, miscigenação – física e cultural – , colonialismo, independências e colonialidade, mas também aos movimentos migratórios, e aos fatores essenciais de coesão).

O português europeu (PE) não se limita certamente às fronteiras político-geográficas da Península Ibérica, como o português do Brasil (PB) não se circunscreve apenas ao espaço brasileiro. Como integrar, por exemplo, para um “outro”, as variantes testemunhadas pela presença linguístico-social portuguesa em espaços europeus, entre línguas românicas e germânicas (Inglaterra, França, Alemanha, Suíça, Luxemburgo)?

Em síntese, talvez o mais relevante venha a estar dependente da promoção da Língua Portuguesa, como Língua de Cultura, e não como uma língua (socialmente) minoritária

Qual foi a sua motivação para emigrar para a Suíça?

No meu caso concreto, não posso qualificar a minha vinda para a Suíça como resultante de uma decisão subordinada a fatores de natureza económica.

A deslocação de domicílio entre Portugal (Lisboa) e a Suíça (Neuchâtel) e, simultaneamente, a mudança de Universidade (Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa – Departamento de Linguística) e Universität Zürich (Romansiches Seminar) esteve dependente de uma situação familiar (cônjuge suíço, lexicógrafo, investigador no Glossaire des Patois de la Suisse Romande, sediado em Neuchâtel). De algum modo, posso afirmar que foi a ‘dialetologia europeia’ e também as ‘variantes linguísticas regionais franco-provençais’ que me fizeram chegar à cidade suíça Neuchâtel…

Naquela altura (1986), a única universidade suíça, que oferecia Estudos de Português, era a Universidade de Zurique. Ainda hoje, continua a ser a única universidade suíça que permite a obtenção de todos os graus académicos em Português, ou focalizados nesta língua, nas suas variantes, nas suas literaturas, ou culturas.

Como está a viver a nova etapa agora que deixou a universidade?

Na verdade, a aposentação coincidiu praticamente com o surgimento da pandemia COVID-19. Tudo o que estava previsto para uma “boa” transição (uma estadia trimestral no Brasil para cursos intensivos; ciclo de conferências em Paris; idas a alguns colóquios ou congressos, etc.), foi anulado, adiado ou ‘zoomado’…

Por outro lado, os três projetos internacionais, que se encontravam em curso, mantiveram-se, e têm prosseguido ao ritmo de reuniões virtuais, entre zoom e skype (um, com uma colega da Universidade de Campinas – Brasil; outro com um grupo de docentes da Universidade de Santiago de Compostela – Espanha e o terceiro com um conjunto de investigadores, oriundos de várias universidades, mas dirigido por dois colegas da Universidade Nova de Lisboa – Portugal).

Quais foram os aspetos da cultura suíça que causaram um choque cultural?

O “choque cultural” mais importante foi (e ainda é…) a situação da mulher na Suíça. Não apenas a condição da mulher no contexto familiar, mas o interminável caminho para a “igualdade”.

Um país republicano, como Portugal, certamente influenciado pela Revolução Francesa, colocou a instrução (a educação?) sob a responsabilidade do Estado. A tradição germânica, na qual se integra a Suíça, valoriza o papel educacional da célula familiar, o que, em parte, pode justificar o “comprometimento” da mulher no espaço doméstico e familiar, condicionando obviamente o seu “lugar” nos espaços profissionais. Há algum progresso, em relação aos meus primeiros contactos com a Suíça, mas o aperfeiçoamento é lento, muito lento, lentíssimo…

O que faz para manter uma relação com Portugal e a cultura portuguesa?

Contactos regularíssimos (exceto em período pandémico…), com família, amigos, colegas, e leitura quotidiana da imprensa em português.

Que elemento da cultura portuguesa (ou das culturas em português) pensa que os suíços têm que conhecer?

Não penso que seja necessário eleger um ou outro aspeto. Haverá sempre quem considere que o “artista” (a ou b) é o mais relevante; quem julgue que o músico, ou o atleta (a ou b) sejam os mais emblemáticos; que a culinária (setentrional, central, meridional, litoral, insular, brasileira…) é aquela que deve ser ‘mostrada’ e ‘consumida’; que a cidade (a ou b) é a mais atraente, a incontornável, etc. etc.

Portanto, não imagino que seja profícua a escolha de um ou outro elemento. Considero que será sempre mais fecundo procurar colocar as culturas em português – interculturalidades – em perspetiva. Comparar o que é comparável, sem juízos avaliativos do “mais”, do “menos”, do “melhor”, ou do “pior”. Insistir incessantemente na(s) diferença(s)!

Será sempre o discernimento da dissemelhança que possibilita o diálogo, a convivência e a tolerância.

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