Considerado como um dos maiores poetas da literatura portuguesa, Mário de Sá-Carneiro (*19 de maio de 1890 – 26 de abril de 1916) formou parte da «Geração de Orpheu», à qual também pertencia Fernando Pessoa.
Dispersão
Perdi-me dentro de mim
Porque eu era labirinto
E hoje, quando me sinto.
É com saudades de mim.
Passei pela minha vida
Um astro doido a sonhar,
Na ânsia de ultrapassar,
Nem dei pela minha vida…
Para mim é sempre ontem,
Não tenho amanhã nem hoje:
O tempo que aos outros foge
Cai sobre mim feito ontem.
(O Domingo de Paris
Lembra-me o desaparecido
Que sentia comovido
Os Domingos de Paris:
Porque um domingo é família,
É bem-estar, é singeleza,
E os que olham a beleza
Não têm bem-estar nem família).
Pobre moço das ânsias…
Tu, sim, tu eras alguém!
E foi por isso também
Que me abismastes nas ânsias.
A grande ave doirada
Bateu asas para os céus
Mas fechou-se saciada
Ao ver que ganhava os céus.
Como se chora um amante,
Assim me choro a mim mesmo:
Eu fui amante inconstante
Que se traiu a si mesmo.
Não sinto o espaço que encerro
Nem as linhas que protejo:
Se me olho a um espelho, erro
Não me acho no que projeto.
Regresso dentro de mim
Mas nada me fala, nada!
Tenho a alma amortalhada,
Sequinha dentro de mim.
Não perdi a minha alma,
Fiquei com ela, perdida.
Assim eu choro, da vida,
Eu nunca vi… mas recordo
A sua boca doirada
E o seu corpo esmaecido,
Em um hálito perdido
Que vem na tarde doirada.
(As minhas grandes saudades
São do que nunca enlacei.
Ai, como eu tenho saudades
Dos sonhos que sonhei!… )
E sinto que a minha morte —
Minha dispersão total —
Existe lá longe, ao norte,
Numa grande capital.
Vejo o meu último dia
Pintado em rolos de fumo,
E todo azul-de-agonia
Em sombra e além me sumo.
Ternura feita saudade,
Eu beijo as minhas mãos brancas…
Sou amor e piedade
Em face dessas mãos brancas. . .
Tristes mãos longas e lindas
Que eram feitas pra se dar
Ninguém mas quis apertar
Tristes mãos longas e lindas
Eu tenho pena de mim,
Pobre menino ideal…
Que me faltou afinal?
Um elo? Um rastro?… Ai de mim!
Desceu-me nalma o crepúsculo;
Eu fui alguém que passou.
Serei, mas já não me sou;
Não vivo, durmo o crepúsculo.
Álcool dum sono outonal
Me penetrou vagamente
A difundir-me dormente
Em, uma bruma outonal.
Perdi a morte e a vida,
E, louco, não enlouqueço…
A hora foge vivida
Eu sigo-a, mas permaneço …
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Castelos desmantelados,
Leões alados sem juba…
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